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BCB altera regulamentação de meios de pagamento e regulamenta o iniciador de transações de pagamento e o sandbox regulatório

 

Nos últimos dias, o Banco Central do Brasil (“BCB”) e o Conselho Monetário Nacional (“CMN”) promoveram relevantes alterações na regulamentação de meios de pagamento e inovação no setor financeiro. As alterações regulatórias envolvem as regras aplicáveis a instituições de pagamento, instituições de pagamento iniciadoras de transação de pagamento (“PISP”), sandbox regulatório, participantes do arranjo de pagamentos instantâneos do BCB (“Pix”) e do Sistema Financeiro Aberto (“Open Banking”).

As alterações regulatórias envolveram a edição de mais de vinte novas normas, entre resoluções e instruções normativas do BCB e resoluções do CMN. Diante disso, para abordar de forma adequada as inovações ocorridas nos últimos dias, publicaremos dois clippings distintos, sendo este sobre as alterações relativas a meios de pagamento, PISP e sandbox regulatório e outro a respeito de Pix e Open Banking.

Nesse sentido, no dia 22 de outubro foram divulgadas as Resoluções BCB nº 24 e nº 25 (“Resolução BCB 24/2020” e “Resolução BCB 25/20”, respectivamente), que tratam dos requisitos e procedimentos para operação e obtenção de autorização pelas instituições de pagamento. No dia 23 de outubro, foram alteradas as regras sobre constituição e funcionamento do componente organizacional de ouvidoria, por meio da edição da Resolução BCB nº 28 (“Resolução BCB 28/20”) e da Resolução CMN nº 4.860 (“Resolução CMN 4.860/20”). No dia 26 de outubro, foi criado o arcabouço normativo para funcionamento do Ambiente Controlado de Testes para Inovações Financeiras e de Pagamento, por meio da edição da Resolução BCB nº 29 (“Resolução BCB 29/20”) e da Resolução CMN nº 4.865 (“Resolução CMN 4.865/20”). Por fim, no dia 27 de outubro, o BCB divulgou, por meio da Instrução Normativa BCB nº 32 (“IN BCB 32/20”), as regras de formato, periodicidade e informações a serem prestadas pelos participantes do arranjo de pagamentos instantâneos do BCB para fins de monitoramento no cumprimento do Regulamento Anexo à Resolução BCB nº 1, de 12 de agosto de 2020 (“Regulamento do Pix”).

Preparamos abaixo um resumo dos principais pontos de mudança na regulamentação e seus impactos aos diferentes tipos de instituição de pagamento e instituição financeira.

 

1. PISP, instituição de pagamento emissor de moeda eletrônica e tratamento de dados

A Resolução BCB nº 24/2020, fruto da Audiência Pública nº 77/20, altera diversos pontos da Circular BCB nº 3.885/18, com destaque: (i) à regulamentação do PISP; (ii) às restrições aos tratamentos de dados pelo PISP, e (iii) às regras sobre autorização de instituição de pagamento emissora de moeda eletrônica.

 

1.1 Instituição iniciadora de transação de pagamento

A Resolução BCB 24/20 define o PISP como instituição de pagamento que presta serviço de iniciação de transação de pagamento: (i) sem gerenciar conta de pagamento; e (ii) sem deter em momento algum os fundos transferidos na prestação do serviço.

O PISP é uma nova modalidade de instituição de pagamento (ao lado das atuais modalidades de emissor de moeda eletrônica, emissor de instrumento de pagamento pós-pago e credenciador, nos termos do art. 4° da Circular BCB 3.885/18), com capital mínimo obrigatório de 1 milhão de reais.

Será necessária autorização prévia do BCB para atuação como PISP, nos termos do novo art. 6º-A, inciso I, e do Anexo III da Circular BCB 3.885/18, exceto se a instituição já possuir autorização para atuar em uma das outras modalidades de instituição de pagamento. Nesse caso, a instituição fica dispensada de autorização, observado que deve haver previsão estatutária ou contratual de que a atividade faz parte do seu objeto social e o BCB tem de ser comunicado, com 90 dias de antecedência, acerca da intenção da instituição de iniciar as atividades de PISP.

 

1.2 Restrição ao tratamento de dados pelo PISP

A Resolução BCB 24/20 também buscou limitar a coleta, utilização e armazenamento de dados pelo PISP. Nesse sentido, a norma veda, nos termos do novo art. 4º, §5º, da Circular BCB 3.885/18 e observadas as exceções para os PISPs que também atuem como prestadores de serviços de computação em nuvem:

  1. armazenar dados relacionados com as credenciais dos usuários finais utilizadas para autenticar a transação de pagamento perante a instituição detentora da conta;
  2. exigir do usuário final quaisquer outros dados além dos necessários para prestar o serviço de iniciação da transação de pagamento;
  3. utilizar, armazenar ou acessar os dados para outra finalidade que não seja a prestação do serviço de iniciação de transação de pagamento expressamente solicitado pelo usuário final; e
  4. alterar o montante ou qualquer outro elemento da transação de pagamento autorizada pelo usuário final.

 

1.3 Mudança nas regras sobre autorização de instituição de pagamento emissora de moeda eletrônica

O BCB passou a exigir que as instituições que desejem iniciar as atividades de emissão de moeda eletrônica a partir de 1º de março de 2021 solicitem autorização prévia do regulador para início das suas atividades.

Para instituições que já estejam desenvolvendo as referidas atividades em 1º de março de 2021, a norma prevê a redução regressiva dos volumes mínimos que tornam obrigatória a obtenção de autorização do BCB[1]. Cabe notar que, atualmente, o pedido de autorização por instituições de pagamento em geral somente é exigido se/quando for atingido um dos volumes mínimos previstos no art. 6°, incisos I e II, da Circular BCB 3.885/18[2], de modo que a exigência de autorização prévia ou a redução dos atuais volumes pode ter impacto relevante na estruturação desse modelo de negócios a partir de 1º março de 2021.

Por fim, a Resolução BCB 24/20 também introduziu alterações pontuais nas regras aplicáveis à autorização pelo BCB de instituições financeiras interessadas em prestar serviços de pagamento. Os bancos, em geral, serão dispensados de autorização para atuação como PISP. Por sua vez, as sociedades de crédito direto (“SCD”) passaram a ser dispensadas de autorização para a prestação de serviços de emissão de instrumento de pagamento pós pago.

A Resolução BCB nº 24/2020 entrou em vigor em 3 de novembro deste ano.

 

2. Gerenciamento de riscos

Em complemento às regras e alterações introduzidas pela Resolução BCB 24/20, a Resolução BCB nº 25/20, por sua vez, alterou disposições da Circular BCB 3.681/13, que dispõe sobre gerenciamento de riscos por instituições que prestam serviços de pagamento. As alterações visam adaptar o regramento vigente ao PISP, nova modalidade de instituição de pagamento recém criada pelo BCB, bem como para conferir maior segurança à sua aplicação às demais instituições já reguladas.

Nesse cenário, a Resolução BCB 25/20 estabeleceu que as instituições financeiras deverão adotar a estrutura de gerenciamento de riscos aplicável às instituições de pagamento de forma complementar a suas estruturas de gerenciamento de risco, reguladas de maneira específica pelas Resoluções CMN 4.557/17 e 4.606/17.

No mais, as mudanças e novidades mais significativas da Resolução BCB nº 25/20 se referem às estruturas de gerenciamento de risco obrigatórias a instituições de pagamento. A primeira delas diz respeito às exigências para gerenciamento dos riscos de crédito e de liquidez, as quais o PISP é dispensado de observar, por não participar do fluxo financeiro de pagamento na prestação de seus serviços. Às demais modalidades de instituição de pagamento foram criados requisitos mínimos adicionais para a estrutura de gerenciamento de risco de crédito, como a adoção de critérios e procedimentos claramente definidos e documentados de análise do risco de crédito na emissão de instrumento de pagamento pós-pago.

Outra novidade importante sobre o assunto relaciona-se com o risco operacional. Assim como no gerenciamento de risco de crédito, os requisitos mínimos para a estrutura de gerenciamento de risco operacional foram ampliados em dois aspectos principais: (i) a avaliação, gerenciamento e monitoramento de riscos operacionais relacionados à contratação de terceiros passa a cobrir de forma expressa as atividades de subcredenciadores envolvidos na liquidação de transações de pagamento, o que pode trazer impactos a credenciadores e em seus contratos com subcredenciadores; e (ii) as instituições devem criar mecanismos específicos para monitoramento e controle de falhas na iniciação de transações de pagamento, segregando eventos associados a iniciação de transação de pagamento não autorizada, inexecução ou execução incorreta da iniciação da transação de pagamento e atraso na iniciação da transação de pagamento.

Além disso, foram incluídas novas hipóteses que configuram risco operacional, que passou a englobar a possibilidade de ocorrência de perdas resultantes de falhas: (i) em sistemas, processos ou infraestrutura de tecnologia de informação; (ii) na execução, cumprimento de prazos e gerenciamento das atividades envolvidas em arranjos de pagamento; e (iii) na iniciação de transação de pagamento.

Adicionalmente, a Resolução BCB 25/20 estabeleceu ao PISP um percentual de patrimônio líquido mínimo em relação ao valor médio mensal das transações de pagamento iniciadas nos últimos 12 (doze) meses, que aumenta progressivamente desde a entrada em vigor de referida Resolução, em 3 de novembro de 2020, até o início de 2025[3]. No entanto, o valor máximo de patrimônio mínimo exigido do PISP não chega ao percentual estabelecido às demais modalidades de instituições de pagamento (no valor de 2%, conforme art. 10 da Circular 3.681/13).

 

3. Ouvidoria

As normas para a constituição e o funcionamento de componente organizacional de ouvidoria também sofreram alterações, ainda que de ordem menos significativa em termos de conteúdo. Atualmente, a matéria é regulada pela Circular BCB 3.501/10, em relação às administradoras de consórcio, e pela Resolução CMN 4.433/15, em relação às demais instituições autorizadas a funcionar pelo BCB, inclusive instituições de pagamento. Ambos os atos normativos serão revogados pela Resolução BCB 28/20 e pela Resolução CMN 4.860/20, respectivamente, a partir de 1º de dezembro deste ano.

Com a introdução das novas normas, as instituições de pagamento, juntamente com as administradoras de consórcio, serão submetidas às regras específicas de ouvidoria previstas na Resolução BCB 28/20.

No tocante às normas, não foram introduzidas modificações significativas. No novo diploma, foram acrescentadas duas exigências formais nos documentos societários das instituições de pagamento, passando ser obrigatória: (i) a expressa previsão do prazo de duração em meses do mandato do ouvidor; e (ii) a inclusão da finalidade da ouvidoria. Essa inclusão nos estatutos ou contratos sociais das instituições poderá ser feita na próxima alteração contratual ou estatutária, não configurando, portanto, obrigação que deva ser cumprida necessariamente de imediato.

O ouvidor, por sua vez, também teve suas atribuições alteradas, a fim de vedar o desempenho de outras funções pelo ouvidor, exceto a de diretor ou administrador responsável pela ouvidoria.

Por fim, a Resolução 28/20 incluiu o componente organizacional de compliance no rol exemplificativo de conflito de interesses ou atribuições no caso de vinculação com a ouvidoria. Isso pode impactar diretamente instituições de pagamento em que o diretor de compliance cumule o cargo com o de ouvidor, as quais deverão reorganizar suas estruturas organizacionais.

 

4. Sandbox Regulatório

A Resolução CMN 4.865/20 e a Resolução BCB 29/20 preveem regras bastante inovadoras, instituindo o Ambiente Controlado de Testes para Inovações Financeiras e de Pagamento (“Sandbox Regulatório”). A iniciativa é decorrente dos esforços conjuntos do BCB, Secretaria Especial de Fazenda do Ministério da Economia, Comissão de Valores Mobiliários e Superintendência de Seguros Privados, que tornaram pública, a intenção de implantar um modelo de sandbox regulatório no Brasil, conforme Comunicado Conjunto, divulgado em 13 de junho de 2019.

O Sandbox Regulatório é um ambiente em que certas entidades, previamente selecionadas pelo BCB, são autorizadas a testar seu projeto que envolva inovação na área financeira ou de pagamentos por um período determinado. Para ser considerado um projeto inovador nos termos da Resolução BCB 29/20, o projeto deve oferecer um produto ou serviço experimental com o emprego de inovação tecnológica ou com a promoção do uso alternativo de tecnologia já existente, bem como promover aprimoramentos (i.e. ganhos de eficiência, alcance ou capilaridade), redução de custos ou aumento de segurança.

A Resolução BCB 29/20 estabelece as diretrizes para os procedimentos de convocação, inscrição e autorização das entidades interessadas em participar do Sandbox Regulatório, dispondo que requisitos e informações específicas serão estabelecidos pelo BCB por meio de ato normativo de convocação, que deverá conter: (i) o período de duração; (ii) o número máximo de participantes, caso houver; (iii) a área de concentração temática dos projetos, caso houver; (iv) a documentação necessária para inscrição; e (v) o cronograma das fases de inscrição e autorização.

As entidades interessadas, por sua vez, deverão apresentar proposta de fornecimento de produto ou serviço no escopo de supervisão do BCB, demonstrar a origem dos recursos utilizados ou a serem utilizados, comprovar reputação ilibada de seus controladores e administradores, apresentar plano de descontinuidade das atividades e designar diretor estatutário responsável pelo Sandbox Regulatório.

Uma vez inscritas, o BCB avaliará o enquadramento das entidades nos critérios de participação e inscrição, classificando-as, caso o número de entidades seja maior do que o número de participantes estabelecidos pelo ato de convocação. Para isso, o regulador se pautará nos critérios de: (i) prioridades estratégicas do BCB; (ii) grau de maturidade do projeto inovador; (iii) natureza e magnitude dos riscos inerentes ao projeto inovador; e (iv) capacidade técnico-operacional e estrutura de governança da entidade interessada. Conferida a autorização, as atividades do participante ficarão restritas ao prazo determinado pelo BCB (que poderá ser prorrogado por igual período ou sob determinadas condições de interesse do BCB) e à realização única e exclusiva do projeto inovador objeto da autorização.

Os participantes do Sandbox Regulatório deverão observar, além da Resolução BCB 29/20, a regulamentação mínima do BCB especificada na norma. Além disso, o participante também deverá adotar procedimentos e controles que permitam comprovar a identidade dos clientes e usuários e a autenticação das informações prestadas.

Por fim, devido à natureza de seu projeto inovador, foi destinada uma subseção específica na Resolução BCB 29/20 para os participantes que atuem no mercado de câmbio. Dentre as regras exclusivas, destacam-se a necessidade de que operações que impliquem pagamento ou transferência internacional contenham informações sobre o remetente e o beneficiário dos recursos, bem como obtenham informação suficiente sobre a instituição no exterior envolvida na operação.

A Resolução BCB 29/20 entra em vigor no dia 1º de dezembro de 2020 e a expectativa é de que os primeiros projetos inovadores já obtenham autorização no primeiro semestre de 2021.

Diante de todas as alterações expostas acima, nota-se a manutenção dos esforços pelo BCB para modernização da regulamentação de forma geral e criação de novo arcabouço regulatório para acompanhar a evolução do mercado, bem como para fomentar a inovação e a competição no setor financeiro. A regulamentação do PISP e do Sandbox Regulatório representam passos importantes nessa agenda idealizada há anos pelo BCB. Por outro lado, também é possível verificar a preocupação do regulador com o monitoramento e gerenciamento de riscos inerentes a tais transformações, a partir do aprimoramento dos controles sobre a matéria pelas instituições reguladas.


Esta publicação foi disponibilizada pelo nosso escritório para clientes e colegas. As informações contidas nesta publicação não devem ser interpretadas como aconselhamento jurídico ou opinião legal do nosso escritório. Questões relacionadas à presente publicação poderão ser dirigidas para os nossos advogados listados abaixo.


 

Marcelo Padua Lima
Aaron Papa de Morais
Rodolfo Pavanelli Menezes

 


[1] Foi estabelecido o seguinte cronograma e volumes mínimos para pedido de autorização pela instituição de pagamento emissora de moeda eletrônica:

(i) se alcançar, até 31 de dezembro de 2021, movimentações financeiras superiores a pelo menos um dos seguintes valores: (a) R$500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais) em transações de pagamento; ou (b) R$50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) em recursos mantidos em conta de pagamento pré-paga;

(ii) se alcançar, entre 1º de janeiro de 2022 e 31 de dezembro de 2022, movimentações financeiras superiores a pelo menos um dos seguintes valores: (a) R$300.000.000,00 (trezentos milhões de reais) em transações de pagamento; ou (b) R$30.000.000,00 (trinta milhões de reais) em recursos mantidos em conta de pagamento pré-paga; e

(iii) de 1º de janeiro de 2023 até 30 de junho de 2023, se não alcançar as movimentações financeiras estabelecidas previstos nos itens acima.

[2] R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais) em transações de pagamento ou R$50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) em recursos mantidos em conta de pagamento pré-paga.

[3] Nos termos do art. 10-A da Circular 3.681/13, conforme alterada pela Resolução BCB 25/20, PISPs devem manter, permanentemente, patrimônio líquido ajustado pelas contas de resultado em valor correspondente, no mínimo, aos seguintes percentuais do valor médio mensal das transações de pagamento iniciadas pela instituição nos últimos 12 (doze) meses:

(i) 1% (um por cento) de 3 de novembro de 2020 a 31 de dezembro de 2022;

(ii) 1,25% (um inteiro e vinte e cinco centésimos por cento) de 1º de janeiro de 2023 a 31 de dezembro de 2024; e

(iii) 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento) a partir de 1º de janeiro de 2025.