PANORAMA SOCIETÁRIO

Novidades sobre as discussões a respeito de conflito de interesses de acionistas

O tema do conflito de interesses de acionistas em deliberações de sociedades, que por muito tempo é objeto de debate doutrinário e que voltou a chamar a atenção do mercado com o caso ‘Linx’ no final de 2020 teve novas páginas com a publicação da Medida Provisória nº. 1.040/21. Com o intuito de melhorar a proteção a acionistas minoritários, a Medida Provisória criou, entre outros assuntos, a obrigatoriedade de deliberação por assembleia geral de operações relevantes de companhia aberta com partes relacionadas. A regra vigente até então não obrigava que tais operações fossem objeto de deliberação por assembleia geral, podendo o estatuto delegar tal aprovação para órgãos de administração, como o Conselho de Administração (com ou sem um parecer de um comitê de partes relacionadas) ou mesmo a própria diretoria da Companhia.

O governo federal defende esta modificação legislativa, pois entende que a mera apreciação da matéria em sede de assembleia geral seria vista como um reforço das regras de governança corporativa aplicáveis às sociedades brasileiras, e refletiria diretamente na classificação do Brasil no ranking de ‘doing business’ divulgado anualmente pelo Banco Mundial, que serve como um termômetro da facilidade ou dificuldade de se abrir e/ou gerir um negócio, atraindo potencialmente mais investidores para as companhias nacionais. Contudo, a modificação legislativa proposta pode causar, na prática, uma distorção relevante para os negócios das companhias abertas brasileiras.

Isto porque a Comissão de Valores Mobiliários, órgão regulador do mercado de capitais nacional e que foi definida como a entidade responsável por criar critérios de relevância para que operações com partes relacionadas estejam sujeitas às deliberações por assembleia geral também possui um posicionamento pela adoção da teoria formal do conflito de interesses. A teoria formal do conflito de interesses entende que um conflito deve ser identificado antes da realização do ato que seria motivado por um interesse distinto do interesse social, e, caso verificado, impede que o acionista ou o administrador em conflito formal possa votar em referida matéria . Em contraposição, a teoria material defende que o conflito de interesses deve ser verificado após a votação, caso o acionista ou administrador tenha efetivamente utilizado seu voto para beneficiar um interesse particular em detrimento do interesse social.

Assim, com as modificações trazidas pela Medida Provisória, e utilizando-se do entendimento da CVM a respeito do conflito de interesses, todas as operações relevantes de companhias com empresas do grupo econômico de seus controladores passariam a ser decididas exclusivamente pelos acionistas minoritários, sem a participação dos controladores – ainda que tais operações sejam propostas em condições equitativas ou em linha com condições praticadas pelo mercado. Esta decisão exclusiva pelos minoritários pode criar distorções para companhias abertas, já que acionistas minoritários não têm acesso a todas as informações de natureza estratégica da companhia e podem não estar tomando a melhor decisão para os interesses sociais, ou podem simplesmente criar entraves não esperados para as operações da companhia, que teria que rever constantemente suas atividades e manter alternativas para continuidade dos negócios em caso de não aprovação de uma operação pelos minoritários.

Por fim, é importante lembrar que, apesar de a Medida Provisória se encontrar em vigor, ela ainda precisa ser convertida em lei pelo Congresso Nacional, e pode sofrer modificações até tal conversão, caso ela ocorra. Adicionalmente, o Congresso Nacional possui diversos projetos de lei tratando de positivar uma ou outra teoria de conflito de interesses, mas não há uma aparente maioria legislativa para que modificações sejam implementadas. Outras medidas provisórias do Governo Federal que tentavam modificar este ponto, como a MP da Liberdade Econômica (que modificava o Art. 115 da Lei das Sociedades por Ações para positivar o conflito de interesses material) tiveram os trechos que tratavam de conflitos de interesse em companhias nacionais excluídos das leis de conversão.

 

Eduardo Boulos
eboulos@cascione.com.br

Guilherme Bertolini
gbertolini@cascione.com.br