PANORAMA SOCIETÁRIO

Decisão recente da CVM confirma a tendência da entidade em facilitar as ações de responsabilidade promovidas por minoritários

Este boletim societário trata do crescente interesse de agentes de mercado e da CVM em policiar supostos abusos por parte de administradores de companhias abertas, evidenciando tendência a se aumentar a efetividade de mecanismos de aferição de responsabilidade e busca de reparação e punições a agentes desconformes.

O colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) determinou que a Embraer apresente sua lista de acionistas à Associação Brasileira de Investidores (Abradin). É a primeira decisão da autarquia nesse sentido após a CVM atualizar suas orientações sobre o acesso à lista de acionistas no início de 2018.

Esclarecendo o histórico, em novembro de 2017, o colegiado da CVM negou um recurso movido pela Associação dos Investidores Minoritários (Aidmin) para ter acesso à lista de acionistas da JBS com base na defesa dos direitos e interesses dos acionistas minoritários da JBS e do mercado de valores mobiliários. No caso concreto, a CVM entendeu que, não obstante a justificativa apresentada, a Aidmin não teria preenchido todos os requisitos estabelecidos no art. 100, §1º, da Lei das S.A., ao não demonstrar se era acionista da JBS ou teria acionistas dentre seus associados. Quanto à intenção de defesa do mercado de valores mobiliários, a CVM entendeu tratar-se de fundamentação demasiadamente genérica.

No início de 2018, a CVM atualizou suas orientações para solicitação da lista de acionistas por meio do Ofício-Circular/CVM/SEP/Nº02/2018. A autarquia esclareceu que: “o acesso aos livros sociais somente deve ser concedido caso o solicitante demonstre ter interesse legítimo no direito a ser defendido e na situação a ser esclarecida, sendo que a comprovação da legitimidade do requerente envolve a análise da titularidade do direito objeto da solicitação.” (…) “o requerimento feito por associação ou entidade congênere, com finalidade de interesse dos acionistas de determinada companhia, somente deverá ser concedido caso a solicitante comprove que tem em seu quadro de associados pessoas titulares do direito a ser defendido e legítimo interesse na situação a ser esclarecida – os quais tenham concedido à associação poderes de representação, e esclareça em que medida as informações requeridas servirão ao propósito almejado.”

Já sob a vigência da nova orientação, em junho de 2019, a Abradin solicitou à Embraer a lista de acionistas para proteger acionistas minoritários de uma má gestão por meio de uma ação de responsabilidade, diante de supostos prejuízos sofridos em decorrência da venda da divisão de aviação comercial para a Boeing. O pedido da lista teve como fundamento a mobilização de acionistas suficientes para atingir o quórum de 5% do capital social previsto no art. 159, §4º, da Lei das S.A. A companhia negou o pedido por entender que o fundamento apresentado pela Abradin foi genérico. Diante da recusa, a associação recorreu da decisão da Embraer à CVM. No exame do pedido, a área técnica entendeu que o pedido da lista foi devidamente fundamentado, sendo que, neste caso específico, a lista de acionistas se faz necessária para cumprir o quórum mínimo exigido pela lei. Ainda, o órgão ressaltou que não caberia à companhia analisar o mérito do pedido formulado pela Abradin, mas tão somente identificar se o pedido apresentou as devidas justificativas, ainda que de forma sucinta. Em seguida, o Colegiado da CVM confirmou o entendimento da área técnica.

A decisão em questão reforça a tendência da autarquia em facilitar as ações de responsabilidade promovidas por acionistas minoritários. Nesse mesmo sentido, a CVM publicou no final do ano passado o edital de audiência pública SDM nº 07/2019 visando a uma redução progressiva, em função do capital social, do quórum para propositura de ação derivada contra administradores da companhia e ação de responsabilidade contra o controlador em função do capital social. Também foram colocados em pauta a redução progressiva dos quóruns para solicitação de exibição dos livros, convocação de assembleia por acionistas, requisição de informações ao administrador, instalação do conselho discal e requisição de informações ao conselho fiscal.

 

TENDÊNCIAS DE LEGISLAÇÃO SOCIETÁRIA

A agenda do Congresso Nacional e da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) promete diversas inovações para o ano de 2020. Espera-se para esse ano a conclusão de seis audiências públicas iniciadas pela CVM em 2019, incluindo a criação de um sandbox regulatório, novas normas sobre a recompra de debêntures, alteração da porcentagem mínima de participação acionária para propor ações judiciais, alteração das normas aplicáveis a investimentos em certificados de depósito de valores mobiliários (BDRs), reforma da Instrução 461 e nova regulamentação de oferta pública de letra imobiliária garantida e letra financeira.

No Congresso Nacional estão em discussão (i) o Projeto de Lei 10.736/18, que propõe alterar a Lei 6.404/76 (“Lei das S.A.”) para permitir a emissão de ações com direito de voto plural e (ii) o Projeto de Lei 6103/2019, que modifica a Lei das S.A. para dispor sobre regras de conflito de interesses e reparação de danos pelo acionista que abusar de seu voto, entre outros assuntos.

 

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