PANORAMA SOCIETÁRIO

O conselho fiscal e ação de responsabilidade

Em 27 de outubro de 2020, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“2ª Câmara do TJSP”) julgou improcedente o pedido de indenização feito por conselheiro fiscal de companhia em face dos acionistas que aprovaram o ajuizamento de ação de responsabilidade contra ele pela companhia[1]. Segundo o autor da ação de indenização, a propositura da ação de responsabilidade constituía abuso de direito por parte dos controladores e visava a impedir sua reeleição ao cargo.

Ao julgar o caso, a 2ª Câmara do TJSP decidiu que a aprovação da propositura de ação de responsabilidade pela companhia contra conselheiro fiscal em assembleia geral dos acionistas constitui exercício regular de direito dos acionistas. Nesse sentido, destacamos que os conselheiros fiscais estão sujeitos aos deveres gerais dos administradores estipulados nos Art. 153 a 156 da Lei nº 6.404/76 (“LSA”) e, portanto, podem ser responsabilizados por prejuízos causados à companhia. Não obstante, nota-se que a propositura de ação de responsabilidade contra conselheiros fiscais é pouco comum no Brasil.

Dentre as possíveis causas para esta realidade, a principal possibilidade refere-se à inexistência de um regime especial de responsabilização do conselheiro fiscal em vista de suas competências específicas listadas no Art. 163 da LSA. Em outras palavras, apesar de o conselho fiscal ter atribuições e competências bastante distintas da diretoria e do conselho de administração, está sujeito ao mesmo regime geral de responsabilização dos demais órgãos da companhia. Sendo assim, na medida em que o conselho fiscal não atua ativamente na representação da companhia ou nas decisões negociais, há certa dificuldade em enquadrar os conselheiros fiscais no regime geral de responsabilidade por danos causados à companhia.

Além disso, há causas que não ficam circunscritas apenas à responsabilização do conselheiro fiscal, mas também de outros tipos de administrador, uma vez que se relacionam com o incentivo e a facilidade da propositura da ação de responsabilidade em si. A primeira causa diz respeito à ausência de um prêmio para os acionistas que propuserem a ação de responsabilidade na modalidade derivada[2]. Atualmente, os valores recuperados judicialmente são integralmente pagos à companhia e os acionistas que propuseram a ação são apenas reembolsados das despesas incorridas[3]. Sobre isso, o grupo de trabalho formado pela Comissão de Valores Mobiliários e pelo Ministério da Economia para estudar o fortalecimento dos meios de tutela reparatória de acionistas sustenta a necessidade de algum tipo de prêmio aos acionistas que obtiverem êxito na ação de responsabilidade derivada

Por fim, critica-se o fato de que, para que os acionistas minoritários consigam realizar a propositura da ação de responsabilidade derivada, é necessária a titularidade de um certo percentual de ações de emissão da companhia. Em alguns casos, pequenos percentuais do capital social podem representar enormes investimentos e configuram, em última instância, uma barreira de entrada. Em resposta a essas críticas, a Comissão de Valores Mobiliários editou, em junho de 2020, a Instrução CVM nº 627/2020, que fixou escala reduzindo os percentuais necessários à propositura de ação derivada contra os administradores em função do valor do capital social. Em outras palavras, quanto maior o capital social da empresa, menor terá que ser o percentual que conferirá legitimidade ao acionista na referida propositura.


[1] TJSP, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Apelação Cível nº 1124376-08.2018.8.26.0100, relatoria de Maurício Pessoa, São Paulo, j. em 27 de outubro de 2020, p. em 28 de outubro de 2020.

[2] A ação de responsabilidade derivada, nos termos do Art. 159 da LSA, pode ser ajuizada: (i) por qualquer acionista, caso a companhia não a proponha em 3 meses após sua aprovação em assembleia de acionistas; ou (ii) por acionistas que representem determinada fração mínima do capital social.

[3] O grupo de trabalho formado pela Comissão de Valores Mobiliários e pelo Ministério da Economia para estudar o fortalecimento dos meios de tutela reparatória de acionistas sustenta a necessidade de algum tipo de prêmio aos acionistas que obtiverem êxito na ação de responsabilidade derivada. Vide relatório do grupo de trabalho disponível em: http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2019/20191202-2.html.

 

Eduardo Boulos
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