PANORAMA SOCIETÁRIO

A jurisprudência e a importância da due diligence nas operações de M&A

Operações de fusões e aquisições (M&A) são inegavelmente complexas, o que requer muita cautela e atenção em todas as fases do procedimento. Não é exagero dizer que o momento mais importante está na fase pré-operacional: a realização da auditoria (due diligence). A due diligence pode parecer, a princípio, um processo meramente formal e burocrático, que pode ser evitado ou abreviado em prol da fluidez de uma operação de aquisição. Contudo, trata-se de processo fundamental para o entendimento do negócio a ser adquirido e para uma alocação de riscos entre comprador e vendedor adequada. A falta ou realização da due diligence sem critério pode trazer consequências financeiras graves para o adquirente.

Como em toda operação de compra e venda, é responsabilidade do adquirente tomar todas as precauções para analisar os aspectos do bem sendo adquirido. A jurisprudência nos mostra que a aquisição de quotas ou ações (formas típicas de aquisição de uma empresa) não necessariamente representa uma aquisição de todos os ativos que o comprador entende necessário para a realização da atividade da empresa sendo adquirida, mas tão somente o controle sobre os ativos de propriedade de tal sociedade. Além disso, também representa a assunção de todas as responsabilidades que tal sociedade tenha com terceiros.

Ainda que um ativo seja fundamental para a exploração de uma atividade empresarial, o adquirente de quotas ou ações de uma sociedade não terá direito sobre tal ativo se ele não for de propriedade da sociedade cujas quotas ou ações foram adquiridas. Como exemplo, podemos citar o recurso de apelação nº 1033094-49.2019.8.26.0100[1], em que a Dotto Consultoria e Participações Ltda. adquiriu um terço da participação societária da Ideal Eficiência Energética Ltda. Após a aquisição, a adquirente exigiu a transmissão do domínio de internet utilizado pela empresa adquirida a seus sócios, que se recusaram a fazê-lo. Na decisão, o poder judiciário verificou que o domínio de internet em questão não estava registrado em nome da Ideal Eficiência Energética Ltda, mas sim em nome da esposa de um de seus sócios, e que não havia qualquer condição ou acordo a respeito da transferência do domínio de internet nos documentos da aquisição. Assim, o adquirente não teve capacidade de obrigar os vendedores a transferir o domínio de internet para a sociedade adquirida.

Posicionamento semelhante ao visto acima também ocorre para o caso de dívidas da sociedade adquirida. Não havendo estipulação expressa em contrário, presume-se que o adquirente tinha ciência – ou deveria ter tido a diligência de obter ciência – de todos os passivos e obrigações assumidos por ela, e não pode reclamar do vendedor o abatimento de valores relativos ao pagamento de tais dívidas. Somente restará ao adquirente algum direito caso este consiga comprovar a existência de um vício oculto (vício que torne a coisa imprópria para o seu uso, algo raro em uma aquisição de empresa) dentro de um curto espaço de tempo (30 dias do conhecimento do vício, porém limitado a 180 dias da aquisição[2]) ou se os vendedores de fato agiram com dolo ou má-fé. Um exemplo da dificuldade de se provar as situações acima descritas é o recurso de apelação nº 1002714-02.2016.8.26.0180[3], em que quatro empresários adquiriram as quotas sociais da empresa Mogiana Armazéns Ltda. Neste caso, os vendedores tinham omitido um passivo fiscal de R$ 10 milhões, em razão da prática de caixa dois e de operações fraudulentas (emissão de notas fiscais frias) em exercícios anteriores à venda da empresa, que só foi identificado pelo fisco estadual em fiscalização ocorrida após a transferência das quotas da sociedade. Os adquirentes tiveram o seu pleito negado pelo juízo de primeira instância, sob a alegação de que não houve vício de consentimento na cessão de quotas firmada pelas partes e que a ausência de diligência dos compradores não constituía justa causa para invalidação do negócio jurídico (argumentos em linha com a jurisprudência dominante sobre o assunto). Só houve uma reversão da sentença de primeira instância em sede de apelação porque os adquirentes conseguiram demonstrar aos desembargadores que a situação real das finanças da empresa era incompatível com a situação aparente ao tempo da aquisição das quotas, única e exclusivamente em razão da conduta dolosa dos vendedores enquanto sócios da empresa, e que era razoável de se esperar que os adquirentes não realizassem o negócio se tivessem conhecimento de tais práticas.


[1] TJSP; Apelação Cível 1033094-49.2019.8.26.0100; Relator (a): Maurício Pessoa; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de São Caetano do Sul – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/04/2021; Data de Registro: 22/04/2021.

[2] Art. 445, caput e §1º do Código Civil.

[3] TJSP; Apelação Cível 1002714-02.2016.8.26.0180; Relator (a): AZUMA NISHI; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Espírito Santo do Pinhal – 1ª Vara; Data do Julgamento: 28/04/2021; Data de Registro: 29/04/2021.

 

Eduardo Boulos
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Lucas Markan
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