PANORAMA SOCIETÁRIO

CVM absolve controlador em caso de abuso de poder

A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) julgou, em 26/05/2020, processo administrativo sancionador instaurado para averiguar se a CNP Assurances S.A. (“CNP”) agiu em violação ao seu dever de lealdade como acionista controladora indireta da Wiz Soluções e Corretagem de Seguros S.A. (“Wiz”) por ter oferecido à Caixa Seguridade Participações S.A. (“Caixa Seguridade”) formação de joint venture para explorarem produtos de seguro na rede de distribuição da Caixa Econômica Federal (“CEF” e “Oferta” conforme aplicável). A Oferta, segundo a acusação da Superintendência responsável da CVM, teria implicado danos à Wiz ao prejudicar o exercício de sua atividade operacional.

A CNP e a CEF são parceiros desde 2001 na comercialização de certos produtos de seguros. Um dos frutos nessa parceira é a Caixa Seguros Holding S.A. (“CSH”), da qual a CNP é acionista controladora e a Caixa Seguridade é sócia minoritária. Neste contexto, havia um acordo operacional que garantia à CSH e às suas controladas, dentre elas a Wiz, distribuição exclusiva para a comercialização de produtos de seguros na rede de distribuição da CEF.

Os fundamentos da acusação de infração do dever de lealdade da CNP se basearam no suposto prejuízo que a Oferta trouxe à Wiz considerando que os termos da Oferta implicariam a perda do direito de exclusividade que a Wiz dispunha sob o balcão da CEF e que compunha praticamente a totalidade de sua receita bruta.

Um primeiro ponto explorado pela CVM no caso é se a CNP poderia ser responsabilizada como acionista controladora da Wiz, considerando que a CNP compartilha o controle da companhia com a Integra Participações S.A. e de forma indireta (por meio da CSH). Por esse motivo, a CNP entendeu que não poderia responder automaticamente pelos deveres e responsabilidades do poder de controle, na medida que não possui poder para, individualmente, controlar as atividades da Wiz. A CVM afastou essa tese da CNP com base em dois argumentos: (i) a CVM reconhece a hipótese de controle indireto compartilhado, com amparo no Art. 243, §2° da Lei das Sociedades por Ações[1]; e (ii) decisão da CVM, em outro processo sancionador no qual a cadeia de controle da Wiz foi analisada, em que a CNP foi considerada controladora indireta da Wiz. Logo, como a CNP exerce, ainda que de forma compartilhada, as prerrogativas legais do poder de controle, ela está sujeita aos deveres e responsabilidades inerentes de tal condição.

A CNP defendeu-se também argumentando que o poder de controle e, por consequência, o dever de lealdade, só seriam aplicáveis às instâncias formalmente societárias, isto é, ao exercício do direito de voto em assembleias gerais e na administração da Wiz, não sendo aplicáveis ao caso em questão. Contudo, o colegiado da CVM entendeu que o dever de lealdade previsto no Art. 116, parágrafo único, da Lei das Sociedades por Ações[2], não pode ser limitado somente a condutas do acionista controlador dentro das instâncias da companhia. Segundo a CVM, se assim fosse haveria situações práticas, como o caso em análise, em que os direitos e interesses da companhia e demais acionistas (inseridos dentro do interesse comum da consecução da atividade da companhia) poderiam ser prejudicados por atos do acionista controlador e, injustificadamente, não abarcados pela proteção legal.

Ainda nesse caso, a CVM reforçou a interpretação do dever de lealdade do acionista controlador como uma cláusula geral que deve ser aplicada, conforme determinados parâmetros, caso a caso, não sendo possível delimitar, preliminarmente, padrões de conduta ou casos específicos em que ocorreriam a deslealdade.

Embora atos como desvio de negócios, concorrência com a companhia e usurpação de oportunidade da companhia possam configurar abuso de poder de controle, no caso em questão, a CVM decidiu pela não imputação de prática desleal à CNP, pois a principal causa da mudança na relação comercial entre CNP e Wiz e a Caixa Seguridade não foi a Oferta. Referida mudança estava inserida em uma reorganização da CEF no setor de seguros, que por meio da Caixa Seguridade havia comunicado meses antes da Oferta à CNP que pretendia não renovar o acordo operacional vigente e que pretendia abrir sua rede de distribuição a outras entidades. Logo, mesmo que a Wiz tenha sofrido grave impacto em suas atividades, a razão maior desse impacto estava fora da esfera de controle da CNP.

Outro motivo levado em conta para a absolvição da CNP foi o fato de a Oferta ter sido uma etapa inicial das negociações entre CNP e Caixa Seguridade ainda não concluídas. Essas negociações vieram a alterar substancialmente os termos dos contratos assinados entre CNP, Wiz e Caixa Seguridade, mas não de forma desnecessariamente prejudicial à Wiz ou que, por si só, enquadrasse a CNP em conduta desleal. Por fim, o Colegiado da CVM destacou que a operação foi regularmente aprovada pela administração e em assembleia geral de acionistas da Wiz, sem qualquer contestação pelos acionistas minoritários ou por parte da acusação da Superintendência da CVM.


[1] Art. 243. §2°, Lei das Sociedades por Ações: Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores.

[2] Art. 116, parágrafo único, Lei das Sociedades por Ações: O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

 

Luiz Eduardo Corradini
lcorradini@cascione.com.br

Francisco Brandão
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