PANORAMA SOCIETÁRIO

O marco legal das startups

No dia 25/02/2021, o Senado Federal aprovou o texto do marco legal das startups, o Projeto de Lei Complementar n° 146-A/2019 (“PLC 146/19”), cujo objetivo é incentivar as empresas de inovação no Brasil. Como a proposta aprovada pela Câmara foi alterada pelo Senado, o projeto volta à Câmara dos Deputados para nova tramitação.

O PLC 146/19 destaca-se ao: (i) propor uma definição legal de startups; (ii) propor uma regulação específica para investimento em tais sociedades; (iii)  melhorar alguns pontos da Lei Complementar 123/2006 aplicáveis aos investidores-anjo, dando mais segurança a essa modalidade de investimento; (iv) possibilitar empresas direcionarem verbas que antes eram obrigatoriamente somente de projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) para determinados fundos que invistam em startups ou em certos programas de fomento às startups; (v) propor uma regulação específica para contratação de startups pelo Estado; e (vi) possibilitar a criação de ambientes regulatórios experimentais (sandboxes regulatórios) aplicáveis às startups. Além disso, o PCL 146/19 propõe mudanças relevantes às Lei das S.A. em pontos aplicáveis não só às startups, mas às companhias em geral, tema que será abordado em outro texto específico deste Panorama Societário.

 

Definição legal de startup

Segundo o PLC 146/19, serão enquadradas como “startups” as sociedades empresárias, cooperativas e simples, bem como o empresário individual e a empresa individual de responsabilidade limitada que: (i) atuem na inovação aplicada a modelos de negócios ou a produtos ou serviços ofertados[1]; (ii) tenham receita bruta anual de até R$ 16 milhões no ano-calendário anterior ou R$ 1.333.334,00 multiplicado pelo número de meses em atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a 12 meses; e (iii) tenham até 10 anos de inscrição no CNPJ. Ainda, o PLC 146/19 exige o atendimento de pelo menos um dos seguintes requisitos: (a) declaração, no contrato ou estatuto social, do uso de modelos inovadores; ou (b) enquadramento no regime especial do Inova Simples[2].

 

Investimento em Startups

Conforme o PLC 146/19, as startups poderão admitir aportes de capital de pessoas físicas ou jurídicas, que podem resultar ou não em participação do capital social a depender da modalidade de investimento escolhida.

O projeto de lei traz um rol exemplificativo de instrumentos de investimento que não resultam imediatamente em participação no capital que já vinham sendo praticados pelo mercado, como contratos de opção de subscrição e compra de quotas ou ações, debêntures e contratos de mútuo conversíveis, estruturação via sociedades de conta de participação e contrato de investimento-anjo, na forma da Lei Complementar nº 123/2006. Para estes casos, o investidor não será considerado sócio nem possuirá direito de gerência ou voto na administração até a efetiva conversão em capital social. Ainda, o PCL 146/19 reconhece expressamente que o investidor não responderá por qualquer dívida da startup, inclusive nos casos de recuperação judicial, dívidas trabalhistas e tributárias e em outras disposições atinentes à desconsideração da personalidade jurídica, exceto em casos de dolo, fraude ou simulação.

No caso de investidor pessoa física, o PLC 146/19 permite que as perdas incorridas nos últimos cinco anos com os instrumentos descritos acima componham o custo de aquisição para fins de apuração dos ganhos de capital auferidos com a venda de participações societárias de investimento em startup. Na prática, isso significa que, caso haja mais de uma startup investida, o imposto será calculado com base nos ganhos e perdas de todos os aportes realizados pelo investidor nos últimos cinco anos. Contudo, a utilização de tais valores no custo de aquisição implicará a remissão de dívida da startup.

O projeto de lei ainda determina que a CVM estabelecerá, em regulamento próprio, as regras para aporte de capital por parte dos fundos de investimento.

 

Investidor-anjo

O PLC 146/19 também regulamenta o investidor-anjo dando maior segurança jurídica ao investimento nessa modalidade, na linha do que já existia desde a Lei Complementar 155/2016 e melhora alguns pontos da seção da Lei Complementar 123/2006 relativa aos investidores-anjo ao (i) permitir que ele participe nas deliberações de caráter estritamente consultivo da companhia investida; (ii) aumentar o prazo máximo de remuneração pelos seus aportes de 5 para 7 anos; e (iii) garantir o direito de acesso do investidor-anjo às contas da startup, bem como o exame de seus livros e documentos.

 

Fomento à Pesquisa e Desenvolvimento

O PLC 146/19 ainda buscou fomentar as startups ao autorizar que as empresas que possuem obrigações de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, decorrente de outorgas ou delegações firmadas por meio de agências reguladoras cumpram seus compromissos com aporte de recursos em startups por meio de (i) fundos patrimoniais da Lei nº 13.800/2019, destinados à inovação; (ii) fundos de investimento em participação nas categorias de capital semente, empresas emergentes e empresas com produção intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação; e (iii) investimentos em programas, editais ou concursos destinados ao fomento das startups, gerenciados por instituições públicas, tais como empresas públicas voltadas ao desenvolvimento de pesquisa, inovação e novas tecnologias, fundações universitárias, entidades paraestatais e bancos de fomento.

 

Licitações exclusivas para startups

Sobre a contratação de startups pelo Estado, o PLC 146/19 cria uma modalidade especial de licitação exclusiva para startups com o intuito de aproximar a inovação tecnológica das empresas e instituições públicas e dos governos federal, estaduais e municipais. A licitação será delimitada por um problema a ser resolvido e o resultado esperado pela administração pública e culminará em um “Contrato Público para Solução Inovadora – CPSI” com a(s) startup(s) vencedora(s). Tais contratos terão vigência máxima 2 anos e valor máximo de R$ 1,6 milhões por contrato.

 

Sandbox regulatório

O PLC 146/19 dá aos órgãos reguladores mais liberdade para fomentar a inovação com a permissão de criação de sandboxes regulatórios[3] específicos para startups, afastando delas a incidência de regras gerais. Os órgãos reguladores deverão dispor sobre o funcionamento do programa, estabelecendo: (i) os critérios para seleção ou qualificação ao programa; (ii) a duração e o alcance da suspensão da incidência das normas afastadas; e (iii) as normas abrangidas.

 

Oportunidades Perdidas

O texto da PLC 146/19 aprovado pela Câmara dos Deputados deixou de fora algumas questões tributárias e trabalhistas relevantes que foram discutidas durante o processo de aprovação. Dentre os pontos tributários, foi aventada a possibilidade de as startups, inclusive se constituídas como sociedades anônimas, adotarem tratamento diferenciado e favorecido no recolhimento simplificado e unificado de impostos e contribuições federais, estaduais e municipais. Dentre os pontos trabalhistas, a versão original do PLC 146/19 permitia, para as startups, que os contratos de trabalho por prazo determinado fossem de até 4 anos – contra os 2 anos aplicáveis para as demais empresas – e os contratos de experiência de até 180 dias – contra os 90 dias aplicáveis para as demais empresas. O texto ainda permitia que a remuneração dos funcionários fosse variável levando em consideração a eficiência e produtividade da empresa, do empregado ou do time de empregados.

Já no texto aprovado pelo Senado Federal, optou-se por excluir todo o capítulo dedicado às opções de compra ou subscrição de ações (stock options) por entender que deveriam ser tratadas em outro projeto específico, por não serem restritas às startups. O texto rejeitado trazia um pouco mais de clareza às controvérsias sobre o tratamento tributário e trabalhista dessas opções.


[1] Conforme o Art. 2°, inciso IV da Lei n° 10.973/2004: “Art. 2º. Para os efeitos desta Lei, considera-se: (…) IV – inovação: introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social que resulte em novos produtos, serviços ou processos ou que compreenda a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho”.

[2] Nos termos do Art. 65-A do Estatuto das Micros e Pequenas Empresas (Lei Complementar n° 123/2006): “É criado o Inova Simples, regime especial simplificado que concede às iniciativas empresariais de caráter incremental ou disruptivo que se autodeclarem como startups ou empresas de inovação tratamento diferenciado com vistas a estimular sua criação, formalização, desenvolvimento e consolidação como agentes indutores de avanços tecnológicos e da geração de emprego e renda”. Para entrar no Inova Simples, a empresa precisa estar enquadrada nos limites do estatuto, de receita bruta máxima de R$ 4,8 milhões.

[3] Definidos pelo PLC 146/19 como o “conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado”.

 

Luiz Eduardo Corradini
lcorradini@cascione.com.br

Lucas Markan
lmarkan@cascione.com.br