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#13 / 29.06.2021 / Projetos de Lei da quinzena ➜

O que mudou?

Fatos da última quinzena que movimentaram o Direito Penal

Foi aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 10887/18, que revisa a Lei de Improbidade Administrativa. A iniciativa foi discutida em uma comissão especial em 2019, mas teve os trabalhos suspensos por conta da pandemia e não foi concluída, retornando em 2021 após solicitação de urgência na tramitação proposta pelo presidente da Câmara.

Entre as principais alterações previstas pelo projeto destaca-se a exclusão da modalidade culposa do crime de improbidade administrativa, fazendo com que, para se punir um agente público, seja necessário provar que ele teve a intenção (dolo) de praticar ato contra a administração pública que viola os princípios constitucionais administrativos; em especial o princípio da moralidade.

Atualmente, gestores públicos podem ser condenados por improbidade com qualquer ação ou omissão; dolosa ou culposa. Assim, podem ser responsabilizados por um prejuízo mesmo que não se comprove que tiveram a intenção de causar dano aos cofres público, bastando se comprovar que ele deveria agir de outra forma e não o fez (dentro da rigorosa estrutura dos crimes culposos). A alteração abre franco espaço para rediscutir casos já sentenciados, cujo o trâmite recursal segue em aberto ou ainda se aguarda o cumprimento de pena.

Todavia, alguns membros do Ministério Público e opositores ao projeto de lei alegaram que as alterações visam enfraquecer o combate à corrupção e a fiscalização da transparência pública. No entanto, objetiva-se com as novas mudanças a redução do ônus para os gestores públicos, na medida em que diversos deles justificam que a lei atual traz poucos parâmetros para a propositura das ações de improbidade e suas condenações se mostram genéricas; algo que, a rigor, se resolve por meio de fundamentação qualificada da decisão e não se abolindo o crime.

Além da principal mudança já citada, o projeto prevê a inclusão de um rol taxativo dos atos que violam princípios da Administração Pública, realiza também mudanças em prazos prescricionais, estabelece limite de prazos para ressarcimento aos cofres públicos e fim do tempo mínimo de punição com perda de direitos políticos, que hoje é de 8 anos.

Assim, o texto ainda precisa ser aprovado pelo Senado Federal e deve ser sancionado pelo presidente da República antes de entrar em vigor. Todavia, mostra-se provável a aprovação desse, visto ter sido apreciado pelo Plenário da Câmara por uma margem ampla, com 408 votos a favor e 67 contra.

Na prática

Teses relevantes com destaque na jurisprudência

A 9ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária de São Paulo condenou Carlos Alberto Augusto a dois anos e onze meses de reclusão. Conhecido como “Carlinhos Metralha”, ou “Carteira Preta”, foi um Delegado de Polícia Civil que trabalhava no DEOPS-SP durante a ditadura militar, responsável pelo sequestro do ex-fuzileiro naval Edgar de Aquino Duarte, preso ilegalmente em 1971 e desaparecido desde 1973.

Trata-se do primeiro ex-agente de repressão a ser condenado penalmente por crimes cometidos contra opositores da ditadura militar. De acordo com o Ministério Público Federal, a maioria das mais de 50 ações penais propostas pelo órgão nos últimos anos, denunciando crimes políticos do regime militar, foi rejeitada ou está paralisada em varas federais de todo o país.

Isso ocorre porque, com a redemocratização do país, foi promulgada a Lei 6.683/1979, conhecida como Lei da Anistia. Essa lei, também aplicável aos agentes do Estado Ditatorial, foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 153, apesar de veredictos contrários na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Com isso, eventuais condenações e reparações ficaram restritas à esfera cível, não se admitindo a persecução penal. Exemplo disso é o caso de Vladimir Herzog: em 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por crime de lesa-humanidade por não investigar, julgar ou punir os responsáveis pela morte do jornalista. Contudo, a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra os supostos responsáveis por seu homicídio foi rejeitada pela Justiça Federal de São Paulo, em 2019, com base na Lei da Anistia e no julgado do STF.

No entanto, dessa vez, a Justiça Federal de São Paulo afastou a aplicação da Lei da Anistia, o que permitiu a condenação de Carlos Alberto Augusto pelo crime de sequestro qualificado pelo grave sofrimento físico ou moral imposto à vítima.

Ao sentenciar, o magistrado considerou que o Direito Penal Internacional, que encontra previsão em diversos tratados e convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, impõe o dever de repreender as graves violações aos direitos humanos, inclusive as praticadas em contexto de ataque generalizado, de perseguições políticas de opositores, praticadas por agentes estatais, responsabilizando seus autores.

O crime de sequestro imputado a Carlos Alberto Augusto foi caracterizado como desaparecimento forçado de pessoas praticado em contexto de ataque sistemático de perseguição política, sendo considerado crime contra a humanidade. Assim, em se tratando de crime imprescritível e insuscetível de anistia, deve seu autor ser devidamente processo e julgado, com base no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, promulgado pelo Brasil pelo Decreto nº 4.388/2002, na Resolução 33/173, da Assembleia Geral das Nações Unidas e na Convenção Americana de Direitos Humanos.

Ainda de acordo com o entendimento exarado na sentença, a constitucionalidade da Lei 6.683/79, afirmada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 153, não impede a realização do controle de convencionalidade da Lei de Anistia em face da Convenção Americana de Direitos Humanos. A constitucionalidade de uma norma não implica, necessariamente, na sua convencionalidade, devendo ser respeitada a norma internacional supralegal, bem como as interpretações da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Além disso, segundo entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, o crime de sequestro é de natureza permanente, o que significa que a sua consumação se protrai no tempo, ou seja, considera-se que sua consumação ocorre durante o tempo em que a pessoa sequestrada se encontra desaparecida, a menos, é claro, que os elementos dos autos permitam concluir que a vítima está morta. No caso concreto, diante da ausência de provas que apontassem para a morte de Edgar de Aquino Duarte, ele continua considerado desaparecido, o que afasta a ocorrência da prescrição. Importante notar que a declaração de óbito para fins da Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995 (reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação em atividades políticas durante a Ditadura Militar) tem natureza meramente civil, sem reflexos penais.

Atenção!

Temas em debate com relevância para as próximas semanas

O debate de uma regulamentação mais dura dos criptoativos, em especial das moedas digitais, pode tomar um novo impulso com a crescente representação da seara penal no tema. A alta no cometimento de fraudes no ambiente virtual impulsionou também o uso desses ativos para ocultar tanto o beneficiário da prática, quanto o caminho que os valores fazem para sua reinserção na economia com ares de legalidade.

Cada vez mais as autoridades se debruçam sobre essas questões, avançando com investigações ainda mais refinadas para superar os obstáculos criados pela prática. Em grandes operações recentes, como verificado no caso da Operação Blackmonday, há pessoas e aparatos suficientes para permitir uma reconstrução da operação fraudulenta, com o caminho que os valores fizeram dentro da organização criminosa. No exemplo mencionado, já se sugere também a relevância do uso de bitcoins para escoar de forma rápida o fluxo de ativos obtidos com as fraudes.

Longe do foco criminal, o tema dos criptoativos não é novidade e já movimenta debates qualificados sobre seus benefícios e entraves. Contudo, como tudo que passa pelo estigma penal, não é exagero esperar que tais casos coloquem sobre a tecnologia uma pecha de leniência com práticas criminosas. Nesses momentos de tensão episódica costumam surgir os projetos de lei mais restritivos e pouco sensíveis à realidade da questão. Aqui, a nossa preocupação.

Movimento similar acaba de acontecer também na China, aonde, nessa última quinzena, apurações levaram o governo daquele pais a adotar medidas drásticas. Segundo as justificativas apresentadas, o vasto uso de criptoativos no país estaria favorecendo a prática de crimes (como a evasão de divisas), auxiliando também a lavagem de valores provenientes de diversas fraudes; não se ignorando, também, o aspecto financeiro que envolve a especulação com moedas digitais, em conflito com a política econômica local.

Como sugerido no caso chinês, o estigma penal tende a impulsionar pautas pelos piores vetores, com os piores resultados. O debate no Brasil segue em bom curso, com interação entre os agentes do mercado, academia e instituições centrais. A cautela que se sugere, e vale a atenção nos próximos passos, é justamente a de refrear impulsos punitivos em um momento de casos criminais de maior vulto, quando a tentação pela solução simbólica é ainda maior.