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#18 / 20.09.2021 / Projetos de Lei da quinzena ➜

O que mudou?

Fatos da última quinzena que movimentaram o Direito Penal

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de recurso especial, firmou entendimento de que a prova de suspeição de autoridade policial que atuou no inquérito, sem a demonstração de prejuízo para o réu, não é motivo para anular o processo judicial. No caso concreto, a defesa interpôs revisão criminal após descobrir que o delegado envolvido na investigação que lastreou sua condenação é filho de um dos suspeitos, mencionado em interceptação telefônica, mas que não teria sido indiciado e nem investigado na época.

As causas de suspeição, previstas no artigo 254, do Código de Processo Penal, são circunstâncias subjetivas, relacionadas a fatos externos ao processo, os quais são capazes de prejudicar a imparcialidade do magistrado e, por conta disso, acarretam a nulidade absoluta do processo. Tais causas são aplicadas também para os membros do Ministério Público, por força do artigo 258, do Código de Processo Penal.

No que diz respeito às Autoridades Policiais, o Código de Processo Penal, em seu artigo 107, previu expressamente que “não se poderá opor suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, mas deverão elas declarar-se suspeitas, quando ocorrer motivo legal.” Este dispositivo é bastante criticado pela doutrina, pela contradição entre o dever da autoridade em se declarar suspeita e o impedimento de que o investigado a aponte no inquérito. Ora, se a Autoridade Policial tem algum interesse externo na condução da investigação, dificilmente ela declarará sua suspeição de ofício, o que esvazia por completo a norma.

Evidente que o fato de um dos suspeitos de envolvimento no crime ser parente ou amigo íntimo do Delegado de Polícia responsável pela condução das investigações pode trazer sérios prejuízos aos demais investigados. Conforme argumentado no julgado, não haveria propriamente produção de provas na fase inquisitorial, apenas colheita de elementos informativos para subsidiar a convicção do Ministério Público. Há erro no entendimento. No âmbito do inquérito policial podem ser produzidas provas irrepetíveis, como a interceptação telefônica, além do risco de destruição ou adulteração das provas envolvendo o parente/amigo no curso da fase pré-processual.

Para frear potenciais ilegalidades, já que a lei vigente impede que a parte oponha exceção de suspeição da Autoridade Policial, impõe-se um controle mais rígido e atento por parte do magistrado e do membro do Ministério Público que atuam no caso. No caso julgado, o STJ determinou a remessa dos autos para as corregedorias da Polícia Civil e do Ministério Público no estado, e também para a corregedoria do Conselho Nacional do Ministério Público para apurar a conduta dos envolvidos.

Na prática

Teses relevantes com destaque na jurisprudência

A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de habeas corpus, entendeu que o reconhecimento por foto é suficiente para embasar prisão preventiva, ainda que não baste para embasar condenação criminal.

O caso concreto é de crime de latrocínio, cujo suposto autor teria tido prisão preventiva decretada após reconhecimento feito por fotografia pelas vítimas. De acordo com a defesa, a foto utilizada foi tirada em 2013, enquanto o crime teria ocorrido em 2020. O suspeito está preso há mais de seis meses.

O ministro relator, Antônio Saldanha Palheiro, ponderou que o STJ restringiu a tolerância para a identificação fotográfica de suspeitos, entendendo não se tratar de uma prova, mas de etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal. Assim, para a condenação do agente, é necessário que o reconhecimento fotográfico atenda aos ditames do artigo 226, do Código de Processo Penal, e seja corroborado com outras provas

Entretanto, entendeu-se que a jurisprudência não se aplica à decretação de prisão preventiva, uma vez que, de acordo com o artigo 312, do Código de Processo Penal, ela poderá ser decretada quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. Apesar disso, recomendou-se a realização de confirmação do reconhecimento do suspeito perante o juízo, nos termos do artigo 226, do Código de Processo Penal, no prazo de 60 dias.

Há grande contradição na argumentação. Em suma, é como se o Tribunal dissesse que o reconhecimento, nesses termos, impede uma condenação, mas tolera a possibilidade de uma prisão arbitrária por tempo indeterminado. Evidente que tais critérios não são sopesáveis em uma mesma métrica, como se, indiretamente, se pudesse concluir que o tempo detido preventivamente pudesse ser reparável, de forma a se aceitar possível ilegalidade pautada em prova ilícita.

Atenção!

Temas em debate com relevância para as próximas semanas

Foi aprovada pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) a Sugestão Legislativa N.º 23/2019, apresentada pelo Conselho de Detetives Particulares do Estado de São Paulo (CONDESP). A sugestão legal prevê regulamentar a profissão de peritos e detetives particulares em investigações privadas e sugere a criação de órgão autárquico para execução dessas premissas.

Atualmente, a investigação privada é regulada pela Lei Federal Nº 3.099/1957 e autorizada mediante a obtenção de registro de natureza policial junto às Secretarias Estaduais de Segurança Pública.

A contratação de profissionais para investigações defensivas também se mostra regulamentada pelo Provimento N.º 188/2018, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CF/OAB), que prevê a possibilidade do advogado contar com assistentes técnicos e peritos, no curso de diligências investigatórias por ele conduzidas, com o objetivo de amealhar elementos de prova em defesa dos interesses legítimos do seu cliente.

Há, todavia, limitação à possibilidade de atuação do investigador em matéria criminal, pois isso depende da existência prévia de uma investigação policial e de autorização de cooperação das autoridades.

Ademais, a referida sugestão legislativa pretende promover a necessidade de um standard mínimo de qualificação profissional para os detetives particulares. Com isso, seria exigido desses profissionais a apresentação de certidão negativa de sentença condenatória criminal transitada em julgado, comprovação de exercício formal da profissão por período superior a 3 anos, apresentação de diploma de conclusão de curso superior em curso de Investigação Profissional reconhecido pelo MEC, e, por fim, apresentação de diploma de graduação ou certificado de pós-graduação em Investigação Forense e/ou Perícia Criminal, expedidos por instituições de ensino superior credenciadas ao MEC.

Para tanto, a CONDESP sugere a criação de um órgão de registro e fiscalização que exercerá o poder de polícia administrativa sobre a categoria, dotado dos atributos de discricionariedade, coercibilidade e autoexecutoriedade para supervisionar não só o aspecto normativo, mas também punitivo, sob o prisma do dever de vigilância imposto pelo art. 11, inc. IV, da Lei n.º 13.432/2017.

Por sua vez, a Comissão de Direito Humanos da Câmara dos Deputados não apresentou objeções à sugestão legislativa. Desse modo, com a aprovação da CDH, a sugestão irá se tornar um Projeto de Lei na Câmara dos Deputados, seguindo, então, o rito convencional das propostas legislativas.

Muito é debatido que a investigação defensiva seria um meio de garantir a isonomia entre as partes no processo criminal, visto que o Ministério Público se reserva mais ao papel de acusação do que de fiscalização da lei na investigação; mesmo que não seja esse seu papel constitucional original.

Ainda que mais direitos possam promover um sistema mais justo, relegar a responsabilidade de reequilíbrio à própria defesa agrava o cenário de imparidade; como se, ao poder dispor formalmente de tais novas ferramentas, todas as demais incongruências do sistema estivessem sanadas. Ainda se mostra premente pensar o papel das autoridades em investigação criminal, mais do que escoar tal direito a todos.