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#8 / 29.03.2021 / Projetos de Lei da quinzena ➜

O que mudou?

Fatos da última quinzena que movimentaram o Direito Penal

No início dessa semana, veio à tona antigo debate sobre a Lei de Segurança Nacional (LSN), promulgada durante a Ditadura Militar. A polêmica começou por ter o youtuber Felipe Neto publicado em suas redes sociais uma intimação que recebeu, para responder por suposta prática de crime contra a segurança nacional em ação movida por Carlos Bolsonaro. Em vídeo publicado na internet, Felipe Neto teria chamado o Presidente da República de "genocida", devido à gestão do governo Bolsonaro na pandemia da COVID-19. Recentemente, a LSN também teria sido utilizada para embasar a prisão do deputado carioca Daniel Silveira.

Atualmente, estão para ser julgadas pelo Supremo Tribunal Federal duas ações contestando a constitucionalidade da LSN: uma do PTB, para que seja declarada a inconstitucionalidade da lei como um todo, e uma do PSB, que visa a coibir a aplicação de dispositivos que restringiriam a liberdade de expressão dos cidadãos.

A relatoria de ambas as ações, que ainda não têm data certa para serem julgadas, é do Ministro Gilmar Mendes. Alguns ministros já sinalizam a direção de seus votos. No último sábado, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a LSN é um “fóssil normativo”.

Embora a probabilidade da derrubada de alguns dispositivos da LSN seja bem vista por juristas, o momento é oportuno para voltar a atenção dos Poderes Legislativo e Judiciário também a outras normas autoritárias contidas no ordenamento jurídico brasileiro, com imputações carregadas de valores já não sustentados na sociedade, como muitas das contidas no Código Penal.

Na prática

Teses relevantes com destaque na jurisprudência

Nesta última quinzena foi destaque o julgamento da ADPF 779, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), com a finalidade de que o Supremo Tribunal Federal conferisse interpretação conforme à constituição aos artigos, 23, inciso II e 25, do Código Penal e artigo 65, do Código de Processo Penal, determinando-se a inaplicabilidade da tese de legítima defesa da honra. No julgamento pelo plenário da Suprema Corte, os Ministros fixaram as seguintes teses: 1) a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, da CF/88); 2) deve ser conferida interpretação conforme à Constituição ao art. 23, II e art. 25, do CP e ao art. 65 do CPP, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa; e 3) a defesa, a acusação, a autoridade policial e o juízo são proibidos de utilizar, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.

A legítima defesa é uma hipótese excepcional na qual o ordenamento jurídico admite que se afaste a aplicação da lei penal por entender que a pessoa agiu para defender direito próprio ou alheio que estava em sofrendo injusta agressão. Ocorre que a tese de legítima defesa da honra, utilizada para buscar a absolvição daqueles acusados de feminicídio ou agressões contra mulheres, busca imputar à vítima a causa de sua própria morte ou lesão afirmando que o ato de traição em tese cometido seria uma injusta agressão à honra de seu companheiro, o que legitimaria o crime cometido. Trata-se de absurda naturalização e perpetuação da cultura machista e misógina que ainda assola a sociedade brasileira e tenta justificar, de forma inadmissível, agressões, opressões e mortes de mulheres em casos de violência doméstica e de gênero.

O entendimento firmado pelo STF no julgamento da ADPF 779 vai de encontro com os valores da sociedade moderna defendidos pelos movimentos de direitos humanos e feministas, no sentido de reconhecer o problema da violência doméstica e de gênero e buscar meios para erradicá-lo. É irrazoável e desproporcional permitir uma violação ao direito à vida, à integridade física e à dignidade humana para proteger a honra supostamente ferida pelo ato de adultério. Eventual censura ao ato de traição é algo restrito aos âmbitos ético e moral.

Por óbvio, o direito à ampla defesa é garantido pela Constituição Federal e qualquer limite ao exercício do direito de defesa precisa ser necessariamente excepcionalíssimo. No entanto, dadas as circunstâncias, entendeu-se que a proteção do direito à vida e à dignidade humana das mulheres torna constitucional a restrição imposta ao uso da tese. Logo a legítima defesa da honra, nessa perspectiva, não pode ser invocada como argumento jurídico ou não jurídico, por qualquer parte do processo, direta ou indiretamente, sob pena de nulidade do julgamento.

Por fim, vale notar que a inconstitucionalidade da legítima defesa da honra afeta também a defesa de teses subsidiárias, como a circunstância atenuante prevista no artigo 65, III, “c”, do Código Penal, presente quando um crime é cometido sob influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima. Isso porque o STF entendeu que a traição não configura ato injusto apto a ofender suposta “honra conjugal” e a legitimar a violência contra a companheira. Não obstante, a legítima defesa da honra ainda pode ser admitida para os crimes contra a honra propriamente ditos: calúnia, injúria e difamação. Nestes casos, admite-se o emprego de força física, desde que necessária e moderada (proporcional), visando impedir a reiteração dos atos ofensivos, que consiste em outra injúria, é passível de perdão judicial.

Atenção!

Temas em debate com relevância para as próximas semanas

Temas em debate com relevância para as próximas semanas

Foi apresentado no dia nove de março de 2021 o Projeto de Lei nº 816/2021, de autoria do Senador Marcos do Val (PODEMOS/ES), o qual propõe que decisões monocráticas de Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ou Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconheçam ou decretem nulidade de atos praticados em procedimentos penais tenham somente eficácia após sua ratificação por órgão colegiado.

A iniciativa legislativa é uma clara afronta ao julgamento do Ministro Luiz Edson Fachin, do STF, que decidiu no dia oito de março que a 13ª Vara Federal de Curitiba, que tinha o ex-juiz Sergio Moro como titular, é incompetente para processar e julgar quatro ações envolvendo o ex-presidente Lula, as quais incluem o caso do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia; o primeiro, inclusive, com decisão recente do TJSP reconhecendo que não havia interesse na compra do apartamento, determinando-se então que a OAS e a Bancoop restituíssem os valores ao ex-presidente.

Ademais, é citada como justificativa para o projeto de lei a decisão mencionada do ministro Fachin. Ocorre, no entanto, que não são apresentados outros argumentos que não atacar a deliberação do ministro, o que revela o teor puramente midiático da propositura legal.

O STF de fato profere a maior parte de suas decisões de maneira monocrática, apesar de ser um órgão colegiado. De acordo com dados da Suprema Corte, 89,8% das decisões proferidas em 2017 foram monocráticas, bem como 51,3% no ano seguinte. Todavia, a maioria das decisões versam sobre juízos de admissibilidade de ações de controle concentrado, mais especificamente, de verificação de condições processuais mínimas para seu prosseguimento.

Destarte, as decisões monocráticas das cortes superiores não apresentam uma real ameaça à colegialidade dessas, mas são, na verdade, ferramentas para garantir o andamento dos processos, visto as dificuldades inerentes às sessões plenárias, que são demoradas e exigem a presença de todos os ministros. Assim, o PL nº 816/2021 é mais um episódio dos nossos legisladores cedendo à pressão do populismo penal, sem apresentar projetos significativos ao sistema jurídico brasileiro.