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#14 / 15.07.2021 / Projetos de Lei da quinzena ➜

O que mudou?

Fatos da última quinzena que movimentaram o Direito Penal

Na semana passada, a apreensão de 120 quilos de queijo curado, 45 litros de iogurte e 9 quilos de requeijão de produção da empesa Lano-Alto, em Pindamonhangaba (SP), realizada a partir de uma denúncia anônima, mobilizou atenções dentre os produtores artesanais.

A apreensão foi realizada pela Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA), que, no dia 10 de junho, lavrou auto de infração pela fabricação de produtos de origem animal em estabelecimento não registrado, dando o prazo de 15 dias para que a empresa apresentasse a emissão de selo municipal (SIM). Relata-se que a emissão já estava sendo viabilizada pela empresa. Isso, contudo, se mostra difícil para todos os pequenos produtores de derivados de origem animal na região, uma vez que São Luiz do Paraitinga ainda não disponibiliza a emissão do selo.

No começo de julho, o CDA retornou à sede da empresa e, diante da não emissão do SIM, destruiu os produtos encontrados, que equivaleriam a dois meses de venda para a empresa. De acordo com seu representante, ao argumentar com os agentes, o CDA sugeriu a adoção da via criminal.

A conduta em questão estaria, em tese, tipificada no artigo 7º, IX, da Lei 8.137/1990, de acordo com o qual constitui crime contra as relações de consumo a venda de mercadoria em condições impróprias para consumo. Trata-se de imputação comum mesmo aos produtores de porte industrial, especialmente também aos empresários donos de restaurante, cobrando cuidados especiais para evitar riscos criminais.

Pensando na apuração que seguirá, a discussão segue em torno de se os laticínios eram de fato impróprios para consumo, ou se o fato se deu apenas pela ausência de registro. De acordo com o presidente da Associação Paulista do Queijo Artesanal (APQA), objetivo do selo, de garantir a segurança alimentar, é válido, mas os seus meios são retrógrados.

Lembramos que a jurisprudência em torno do tema aponta para a necessidade de comprovação pericial quanto à condição dos alimentos apreendidos. Não se pode presumir como imprópria a mercadoria que tão somente não atende à regulamentação. Em se comprovando esse cenário, não deve haver pertinência criminal.

Na prática

Teses relevantes com destaque na jurisprudência

O Supremo Tribunal Federal apreciou um habeas corpus (HC 203732) que versava sobre excesso de prazo para julgamento de recurso e não observância do disposto no artigo 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal, quanto à necessidade de revisão periódica da manutenção da prisão cautelar – alteração trazida pela Lei 13.964/2019 (“pacote anticrime”). No caso, o paciente foi preso preventivamente em 04 de setembro de 2017, condenado em 07 de maio de 2019 e aguardava julgamento de seu recurso de apelação desde 20 de março de 2020.

O relator, Ministro Dias Toffoli, negou seguimento ao habeas corpus e apontou que não haveria demora injustificada para o julgamento, pois o processo não estava estagnado, mas movimentando-se conforme os atos processuais regulares e recursos interpostos contra a sentença condenatória, principalmente considerando a complexidade do feito e o extenso volume de autos. Ainda, o relator retomou orientação jurisprudencial do STF no sentido de que “as elevadas penas impostas na sentença condenatória devem ser consideradas para fins de análise de suposto excesso de prazo no julgamento da apelação”. No caso, o paciente havia sido condenado a mais de 23 anos de reclusão, pela prática dos crimes previstos nos artigos 33 c/c 40, inciso I, da Lei nº11.343/06 e 2º, c/c o § 4º, incisos IV e V da Lei nº 12.850/13.

Ainda, o julgado citou entendimento no sentido de que, se o réu permaneceu preso durante toda a instrução criminal, “não se afigura plausível, ao contrário, revela-se um contrassenso jurídico, sobrevindo sua condenação, colocá-lo em liberdade para aguardar o julgamento do apelo”.

Todavia, a depender do fundamento que ensejou a prisão preventiva do réu, não haverá contrassenso algum. Caso, por exemplo, a prisão preventiva tenha sido decretada em razão da conveniência da instrução criminal, finda esta fase, não subsistiriam motivos para negar sua revogação e concessão de liberdade provisória, com imposição de medidas cautelares diversas ou não. Em razão de seu caráter excepcional e extremo, a decretação e manutenção da prisão preventiva deve ser analisada caso a caso, em estrita observância dos requisitos legais. Vale lembrar, tais requisitos olham para as circunstâncias do crime ocorrido e não para as circunstâncias da pena imposta e ainda não confirmada que já se cumpre de modo antecipado; algo, a lembrar, vedado por aquele mesmo tribunal.

Quanto à revisão periódica da cautelar, o Supremo Tribunal Federal já havia se manifestado no sentido de que “a inobservância do prazo nonagesimal do artigo 316 do Código de Processo Penal não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos.” Ocorre que o referido dispositivo é claro ao dispor que o órgão emissor da decretação da prisão preventiva deverá revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.

Ora, afirmar que o juízo competente deverá ser instado quando a lei exige sua atuação de ofício representa um completo esvaziamento da norma. O objetivo da lei foi justamente evitar que a morosidade do Poder Judiciário afetasse o direito fundamental da liberdade, exigindo uma atuação atenta do magistrado no controle da necessidade da prisão, evitando os temerários casos dos presos provisórios “esquecidos” nos centros de detenção por anos. Vale notar, por fim, que, declarada a ilegalidade da prisão, esta deverá ser relaxada e o réu deverá ser colocado em liberdade, sem prejuízo da imposição de medidas cautelares diversas da prisão, previstas no artigo 319, do Código de Processo Penal, caso estejam presentes os requisitos autorizadores previstos no artigo 282 do Código de Processo Penal.

Atenção!

Temas em debate com relevância para as próximas semanas

Compareceu à CPI da Covid a farmacêutica Emanuela Batista de Souza Medrades, diretora da Precisa Medicamentos Ltda., representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biotech, que participou do processo de importação de vacinas Covaxin para o Ministério da Saúde.

Ela se recusou a responder todas as perguntas feitas, inclusive sobre seu vínculo profissional com a empresa. Emanuela teve reconhecido em habeas corpus, proferido pelo Ministro Luiz Fux, o direito de permanecer em silêncio em seu depoimento, apenas em relação às perguntas que pudessem incriminá-la, em respeito ao direito de não autoincriminação; ou seja, do direito de não produzir provas contra si mesmo.

Para a CPI, a atitude da farmacêutica configura “flagrante abuso” ao direito concedido e afronta a parte da decisão em se determinou que ela deveria comparecer à comissão e dizer a verdade sobre os fatos em que figura apenas como testemunha.

A CPI apresentou embargos de declaração para que fossem esclarecidos os limites da decisão anteriormente proferida. A defesa de Emanuela também se manifestou, pedindo que a decisão sobre quais perguntas devem ser respondidas fosse feita pela farmacêutica e por seus advogados.

O ministro acolheu parcialmente os embargos de declaração apenas para esclarecer que cabe à depoente a avaliação inicial das perguntas que podem comprometer seu direito a não autoincriminação. Entretanto, ressaltou o Ministro que isso não impede que a CPI analise a ocorrência de abuso do exercício desse direito constitucional. Fux declarou que, na qualidade de autoridade investida de poderes judiciais, a comissão tem o poder-dever de analisar no caso concreto a ocorrência de abuso do exercício do direito de não incriminação e a autoridade para a adoção fundamentada das providências legais cabíveis, se for o caso.

Com a continuidade dos depoimentos à CPI, tem sido aguardado posicionamento mais elucidativo sobre quais seriam os exatos limites do direito de não autoincriminação; algo pertinente não somente aos trabalhos da comissão, mas a todas demais investigações em curso. O cenário até aqui traçado, na verdade, não traz clareza sobre nenhuma das posições, deixando aos eventuais futuros excessos a missão de novamente provocar o tribunal.

Parece-nos muito evidente que o direito à não autoincriminação pressupõe poder se esquivar de qualquer pergunta que julgue incriminatória, sem ser necessário explicar o que, exatamente, se evita incriminar. Ora, qualquer explicação, por menor que fosse, acabaria justamente por lançar luz sobre o fato que não se assume e soterra o exercício do mencionado direito. Evidente que, ao assim entender, estaria se dando maior tranquilidade àqueles que depõem, amenizando eventual efeito de pressão que o contexto de investigação pode preferir. Mas não há mediana à questão. Ou se respeita o direito e se cala quando convir, ou se remove o direito.

Eventuais abusos por parte daquele que depõe podem ser desvelados, por outras provas, no curso da investigação. E é exatamente a isso que se propõe todo o trabalho de apuração. Se, ao final do procedimento, houver comprovação quanto ao abuso, certamente haverá também consequência a ser enfrentada pelo depoente. Tudo ao seu tempo.